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Uruguai mais perto de julgar crimes cometidos por militares na ditadura


Câmara vota projeto de lei que anula anistia em vigor desde a redemocratização
Janaína Figueiredo
BUENOS AIRES. Num clima de forte tensão, a Câmara de Deputados do Uruguai debateu ontem e se preparava para transformar em lei um projeto que declara os crimes cometidos durante a última ditadura (1973-1985) como delitos de lesa Humanidade e que, portanto, não podem prescrever. A votação foi a última tentativa da Frente Ampla, no poder desde 2005, de anular os efeitos da Lei de Caducidade, a anistia aos militares uruguaios vigente desde a década de 80. Por determinação da Suprema Corte de Justiça, as mortes de opositores políticos durante o governo militar são consideradas "homicídios agravados" (um delito comum) e, sem a nova lei, prescreveriam no próximo dia 1º de novembro, 26 anos e oito meses após a redemocratização do Uruguai.
Estima-se que 4.700 pessoas tenham sido torturadas e 140 mortas. Apesar de ter passado 13 anos preso e sofrido torturas terríveis, o presidente José "Pepe" Mujica, ex-guerrilheiro do Movimento Tupamaro, optou por não se envolver.
- Essa questão deve ser resolvida pelo Parlamento - disse Mujica, que em outros momentos assegurou que a anulação da lei de anistia no Congresso "era um caminho equivocado" para seu país, já que a norma havia sido ratificada em dois referendos populares (1989 e 2009).
Além das consultas feitas após o retorno da democracia, a Lei de Caducidade sobreviveu a um primeiro projeto de lei da Frente Ampla, que pretendia anulá-la no Congresso. Em março, a aliança não conseguiu os votos necessários no Senado e terminou perdendo um congressista, o senador Jorge Saravia, que abandonou o partido do presidente e filiou-se ao tradicional Partido Nacional. Saravia adotou o mesmo argumento da oposição: "o Congresso não deve derrubar uma norma aprovada pela maioria dos uruguaios em duas consultas populares".

Na Argentina, 18 ex-militares são condenados
Desta vez, o novo projeto obteve sinal verde no Senado, com o voto dos 16 representantes do partido do governo, contra 15 da oposição. Segundo juristas locais, a eventual aprovação da iniciativa não provocará uma enxurrada de processos na Justiça, já que os acusados poderão recorrer à Suprema Corte de Justiça, que, este ano, estabeleceu que os crimes cometidos pelos militares são delitos comuns e não de lesa Humanidade.
- O projeto da Frente Ampla é inconstitucional porque pretende ser retroativo e permitir o julgamento de crimes do passado - explicou Ruben Correa Freitas, professor de Direito Constitucional da Universidade da República.
Segundo Freitas, a palavra final será da Suprema Corte, que já decidiu que esses crimes são delitos comuns e que prescreverão no próximo dia 1º de novembro.
- Esta votação é uma questão política e simbólica - assegurou o professor.
Para muitos uruguaios, de fato, a Frente Ampla buscou saldar uma dívida com familiares das vítimas da ditadura.
- Depois de 25 anos de impunidade, a Justiça finalmente poderá avançar na busca da verdade - afirmou o deputado oficialista Luis Puig, um dos participantes do intenso debate.
Enquanto o Uruguai continua tentando eliminar o principal obstáculo que impede a abertura de novos processos na Justiça e o avanço dos já existentes, os tribunais de Buenos Aires voltaram a ser cenário ontem de um julgamento histórico para as organizações de defesa dos direitos humanos. Depois de vários meses de audiências, 18 ex-militares, entre eles o ex-capitão da Marinha Alfredo Astiz, foram condenados - em vários casos à prisão perpétua - por sua responsabilidade no sequestro e assassinato de 18 pessoas na Escola de Mecânica da Marinha (Esma), por onde estima-se que passaram mais de 5 mil presos políticos.
O GLOBO

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