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Faxina nas polícias é inadiável

É palpável a relação promíscua da banda podre das polícias do Rio com a criminalidade. A crônica dessa desavergonhada ligação é farta em registros de gravações de contatos telefônicos entre bandidos e maus policiais para negociar o pagamento de propinas ou abastecer o arsenal das quadrilhas, de vazamento de operações policiais, de prisões de agentes públicos envolvidos em atividades criminosas como venda de proteção a chefes do tráfico (também das milícias e da contravenção) etc. Igualmente fazem parte dessa chocante ostentação de permissividade os sinais patentes de enriquecimento de funcionários dos organismos de segurança, cujos contracheques não avalizam patrimônios em que reluzem carros luxuosos e imóveis milionários.
São, cada um deles, evidências robustas para dar conta de que um duto ilegal bombeia dinheiro sujo da criminalidade para as contas de policiais que desonram suas corporações. Nem sempre, no entanto, essa malha de corrupção deixou pontas de consistência (inclusive jurídica) fortes o suficiente para conduzir aos beneficiários dos "arreglos" que transformam agentes públicos em meros empregados do crime organizado. Por isso, o bombástico depoimento do traficante Nem, admitindo que metade do faturamento dos seus "negócios" é reservada para comprar proteção e mão de obra no balcão da banda podre, fornece às autoridades de segurança uma sólida peça para levar a cabo uma profunda, necessária e inadiável profilaxia dos organismos policiais do Estado do Rio.
Operações com impacto positivo na opinião pública, como as UPPs, a retomada do Complexo do Alemão e, agora, as ações que resultaram na captura do chefão do tráfico na Rocinha fazem aumentar o grau de confiança da população nas suas polícias. Mas elas ainda são vistas com desconfiança por boa parte dos cidadãos, não sem justificados motivos. Por outro lado, é inegável que nas delegacias e nos quartéis há profissionais honestos, dedicados, comprometidos com os princípios republicanos dos organismos onde prestam serviço. Disso deram demonstração insofismável, por exemplo, os PMs que rejeitaram a oferta de propina que Nem lhes fez ao ser preso.
Gestos como esse ajudam o Rio, como nos dias de retomada do Alemão, a resgatar sinais de confiança da população na sua polícia. Tanto quanto por obrigação legal de combater o crime nas ruas e em seu próprio organismo, é em respeito a esses agentes que honraram seu trabalho que as autoridades de segurança não podem perder a oportunidade, investigando o alcance das graves revelações de Nem, de ir atrás dos beneficiários dessa "folha salarial" abastecida pelo dinheiro do tráfico, para puni-los exemplarmente. A limpeza ética das polícias, crucial para o sucesso dessa nova política de segurança que contabiliza importantes e irreversíveis avanços, não será possível sem a amarga providência de cortar na própria carne.
As recentes demonstrações de honestidade e compromisso com a sociedade de agentes que não se deixaram corromper, aplaudidas vivamente pela população, não podem se perder num eventual surto de inapetência do poder público pela faxina do sistema de segurança fluminense. O novo e consistente fio que leva ao coração da banda podre precisa ser puxado até o fim.



O Globo

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